Economia: a matemática “não exata”

Entenda os limites dos modelos econômicos, a influência humana nos mercados e os riscos da ilusão de controle.
A história do fundo Long-Term Capital Management (LTCM) é uma das maiores ironias da história recente das finanças — e talvez uma das lições mais dolorosas sobre o risco de tratar a economia como uma ciência exata. Criado em 1994, o LTCM reunia alguns dos maiores gênios matemáticos e financeiros do planeta, incluindo dois vencedores do Prêmio Nobel de Economia, Robert Merton e Myron Scholes, reconhecidos por suas contribuições à modelagem de risco e precificação de ativos.
A proposta era simples, ao menos no papel: usar fórmulas matemáticas avançadas para encontrar distorções temporárias nos preços de títulos, operar com grandes volumes de alavancagem e lucrar de forma quase “infalível”. Afinal, se os modelos eram perfeitos, o risco seria mínimo.
Por um tempo, funcionou. O fundo teve retornos extraordinários e rapidamente virou referência mundial, sendo tratado quase como infalível. Bancos, governos e investidores despejaram dinheiro na promessa de um sistema baseado na racionalidade e na ciência. Mas em 1998, um evento fora do modelo — a moratória da Rússia e uma subsequente quebra de confiança nos mercados — derrubou a lógica dos números. Em poucas semanas, o LTCM perdeu quase US$ 4,6 bilhões e teve que ser resgatado por um consórcio de bancos liderado pelo próprio Federal Reserve, para evitar um colapso sistêmico nos mercados financeiros globais.
O fundo que se vendia como matematicamente à prova de falhas quase arrastou o mundo para uma nova crise financeira.
Mais chocante do que as perdas foi a origem dos responsáveis: homens laureados pela academia, aclamados por suas equações, incapazes de prever — ou admitir — que os mercados se movem não apenas por lógica, mas por medo, euforia, ganância, geopolítica, emoções humanas e eventos imprevisíveis.
Esse episódio é o símbolo perfeito da limitação da economia enquanto ciência exata. Diferente da física, onde leis universais regem o comportamento da matéria com precisão, a economia depende de agentes humanos — e os humanos são tudo, menos previsíveis.
O problema não está em estudar economia com modelos matemáticos. Eles são úteis, sim. O perigo está em acreditar que os modelos são mais reais do que o próprio comportamento humano que eles tentam representar.
O problema não está em estudar economia com modelos matemáticos. Eles são úteis, sim. O perigo está em acreditar que os modelos são mais reais do que o próprio comportamento humano que eles tentam representar.
E isso nos leva à reflexão central deste capítulo: a economia é uma ferramenta poderosa, mas é tão imperfeita quanto as pessoas que a constroem, interpretam e operam. Entendê-la exige lógica, claro, mas também exige humildade, psicologia, história e senso crítico.
Quem também fez duras críticas a essa visão determinista da economia foi o libanês Nassim Taleb, autor de A Lógica do Cisne Negro. Para ele, o erro central da teoria econômica moderna é presumir que os eventos seguem uma distribuição normal — aquela famosa curva em formato de sino, onde a maioria dos acontecimentos está concentrada no centro e os extremos (as grandes catástrofes ou grandes sucessos) são considerados altamente improváveis.
Taleb argumenta que esse modelo simplesmente não se aplica ao mundo real — especialmente no campo das finanças. Ele chama atenção para os chamados “eventos de cauda”, acontecimentos raros e imprevisíveis, mas com impacto devastador — como o 11 de setembro, a crise de 2008 ou a pandemia da COVID-19. Esses eventos não apenas acontecem com mais frequência do que os modelos tradicionais preveem, como moldam o curso da história mais do que qualquer média estatística.
Segundo Taleb, o problema não é apenas estatístico — é filosófico. Ao confiar demais em modelos elegantes e simplificados, nos tornamos cegos à realidade complexa, caótica e não-linear do mundo. O risco maior não está no que conhecemos e mensuramos, mas no que ignoramos — ou fingimos que não existe, porque não cabe nas equações.
Para navegar nesse mar incerto que é a economia, precisamos menos de certezas matemáticas e mais de antifragilidade — outro conceito criado por Taleb. Ser antifrágil é se beneficiar do caos, crescer com a volatilidade, se adaptar aos choques. Em vez de buscar estabilidade ilusória, devemos construir sistemas — e pensamentos — que resistam e evoluam diante da incerteza.
No fim das contas, a economia não é apenas uma questão de números. Ela é sobre pessoas. E onde há pessoas, há emoções, irracionalidades, histórias, medos, esperanças. É por isso que, apesar de toda sua complexidade, ela continua sendo um espelho da natureza humana em sua forma mais prática: a forma como lidamos com recursos, escolhas e consequências.
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Essa imprevisibilidade do comportamento humano também fica evidente na eterna tentativa dos investidores em superar o mercado. A maioria das pessoas acredita que, com inteligência, acesso à informação e algum esforço, é possível consistentemente ter um desempenho acima da média. No entanto, estudos mostram que a grande maioria dos investidores individuais e mesmo profissionais não consegue superar os índices de referência no longo prazo.
Um dos dados mais curiosos e reveladores sobre isso vem de uma análise interna feita por uma grande corretora americana. Eles identificaram que as contas com os melhores desempenhos ao longo dos anos eram, majoritariamente, de pessoas mortas — ou de clientes que tinham esquecido que ainda possuíam investimentos ativos. Ou seja, quanto menos interferência humana, maior a chance de bons retornos no longo prazo. Isso revela o quanto as emoções, o excesso de confiança, a tentativa de prever movimentos de mercado e a ansiedade por resultados imediatos atrapalham mais do que ajudam.
Investir, muitas vezes, não é uma questão de genialidade, mas de paciência e resiliência emocional. Mais uma vez, voltamos à importância da humildade: aceitar que o futuro é incerto, que o mercado é maior do que qualquer indivíduo, e que agir menos pode ser a melhor forma de agir.
Essa mesma humildade deveria estar presente também na formulação das políticas econômicas, mas nem sempre é o que acontece. A história da economia está repleta de antagonismos ideológicos profundos, como o célebre embate entre Friedrich Hayek e John Maynard Keynes. Hayek, defensor da liberdade individual e da mínima intervenção estatal, acreditava que o mercado, quando deixado livre, encontraria naturalmente seu equilíbrio. Já Keynes argumentava que, em momentos de crise, o Estado deveria intervir com força para estimular a economia e evitar colapsos sociais.
Ambos tinham argumentos válidos, e ambos estavam certos em partes e errados em outras. Mas o mais curioso — e alarmante — é perceber como esses debates teóricos se tornaram quase religiosos. Governos, economistas e investidores tratam essas escolas como torcidas organizadas, ignorando nuances, contextos e, sobretudo, os efeitos práticos de suas decisões.
Se esse tipo de antagonismo dogmático acontecesse na medicina, o paciente estaria morto. Imagine dois médicos brigando diante de um corpo em colapso: um exigindo repouso absoluto, o outro receitando exercício intenso. Quando a vida está em jogo, a ideologia precisa dar lugar à pragmática, à escuta, à adaptação. Com a economia, não deveria ser diferente.
Por isso, entender economia não é apenas entender gráficos e indicadores. É desenvolver senso crítico, reconhecer os limites dos modelos, evitar os extremos e, acima de tudo, saber fazer boas perguntas mesmo quando não temos respostas fáceis.
No fundo, a maioria das pessoas quer entender de economia por um motivo bastante direto: ganhar mais dinheiro. E não há nada de errado com isso. Buscar prosperidade, segurança financeira e melhores condições de vida é legítimo. O problema começa quando essa busca se transforma em um fim em si mesmo — quando o acúmulo substitui o propósito, e o sucesso financeiro vira o único parâmetro de valor pessoal.
Na modernidade, somos bombardeados com a ideia de que prosperidade é sinônimo de felicidade. Que ter mais é ser mais. E que, se algo não está dando certo, basta trabalhar mais, investir melhor ou encontrar a próxima grande oportunidade. Mas essa lógica de crescimento infinito, aplicada a uma vida finita, tem nos levado a um novo tipo de crise: a da abundância sem propósito.
Porque, diferente do passado em que a escassez moldava o comportamento e impunha limites naturais, hoje vivemos em um mundo onde quase tudo está disponível — comida, prazer, entretenimento, conexões, informação. E justamente por isso, a falta de valores claros pode transformar essa abundância em um terreno fértil para vícios, alienação e infelicidade crônica.