Confisco da poupança pode acontecer novamente?
Saiba a história do plano Collor aplicado em 1990 no Brasil, a qual ocasionou o confisco da poupança
O confisco da poupança aconteceu quando o então presidente, Fernando Collor de Mello, decretou, em 16 de março de 1990, o congelamento de todas as contas bancárias do país. Com isso, o governo esperava acabar com a hiperinflação e estabilizar a economia.
No entanto, o confisco afetou diretamente a população, que ficou sem dinheiro para pagar até mesmo as contas mais básicas. Embora o objetivo do confisco fosse acabar com a hiperinflação, ele não teve o efeito esperado pelo governo.
Além de não conseguir acabar com o aumento generalizado dos preços, o confisco da poupança fez com que a população perdesse a confiança no governo e na economia. Nesse contexto, o confisco da era Collor foi um verdadeiro fracasso, marcou uma época na história do Brasil e deixou um legado negativo para a população.
Qual era o contexto macroeconômico da época?
Para entender o contexto econômico da época precisamos rememorar a década anterior. O período entre 1980 a 1989 era conhecido como “a década perdida”, uma designação para uma época de forte crise financeira em toda a América Latina.
No Brasil, a crise começou no início dos anos 80 e afetou severamente a economia de todos os estados. O país estava endividado com o exterior e houve uma grande queda nos níveis de produção e investimento. Além disso, a década de 80 foi marcada por grandes déficits fiscais e volatilidade inflacionária e cambial.
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A década perdida culminou com a implantação de medidas de austeridade que levaram à recessão e aumento da pobreza. Para resolver esse problema, o governo brasileiro lançou mão de vários planos de estabilização econômica para combater a inflação e promover o crescimento econômico.
Entre 1986 a 1989 foram implementados três planos de estabilização da economia: Plano Cruzado, Plano Bresser e Plano Verão. Mas nenhum deles obteve êxito em controlar a inflação de forma consistente.
Em meio a esse cenário, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência em março de 1990 diante de um contexto de hiperinflação e economia estagnada. No dia seguinte à posse do novo presidente, 16 de março de 1990, o Plano Collor I foi lançado.
Qual era o principal objetivo?
O Plano foi um programa de estabilização econômica criado para combater a inflação galopante que assolava o país naquele período. Para isso, ele estabeleceu uma série de medidas que foram anunciadas na televisão e pegou o país de surpresa.
A ministra Zélia Cardoso de Mello, que comandava a equipe econômica do governo, foi a responsável por fazer o anúncio do pacote de decisões econômicas que continha 21 medidas provisórias.
Entre as medidas previstas no plano, a que ficou mais conhecida foi o sequestro da liquidez, também conhecido como o confisco da poupança.
Por meio dele, todas as aplicações que ultrapassassem o limite de NCr$50 mil cruzados novos (equivalente a cerca de R$12 mil) seriam bloqueadas por 18 meses. O valor retido seria devolvido em cruzeiros em 12 parcelas acrescidas de juros de 6% ao ano.
A intenção de Collor era restringir os fluxos de dinheiro e realizar uma desmonetização ordenada e lenta da economia. Esta medida controversa tinha como pretexto acabar com a inflação em apenas uma tacada. Afinal, a inflação na época alcançava 80% ao mês, o que dificultava muito em qualquer planejamento financeiro.
Sendo assim, o principal argumento do governo a favor do confisco da poupança é o de que a medida seria necessária para impedir o colapso da economia. Segundo essa perspectiva, o confisco seria um sacrifício necessário para salvar a economia de um colapso total.
Além disso, argumenta-se que a medida seria uma forma de redistribuir a riqueza da economia de forma mais justa, uma das pautas defendidas na campanha eleitoral de Collor. Ao conter a inflação elevada frente aos planos de estabilização, o bloqueio da liquidez por prazo tão longo combateria três grandes problemas:
- a rápida monetarização da economia e aquecimento da demanda após uma forte desinflação;
- a alta liquidez dos títulos financeiros, “moeda indexada”;
- o crescimento da dívida mobiliária interna.
A medida visava evitar as pressões sobre o consumo e retomar a capacidade do Banco Central de fazer uma política monetária ativa. Assim, o Bacen não ficaria mais a mercê do mercado financeiro e da necessidade de jogar para frente a dívida pública.
O que foi, de fato, implementado?
Ao mesmo tempo em que o governo sequestrava a liquidez da economia, o Plano Collor congelou os preços de bens e serviços e também os salários. Além disso, o governo promoveu uma grande reforma administrativa que enxugou a máquina pública e reduziu o número de ministérios de 23 para 12 órgãos.
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Caiu também as restrições às importações, o que abriu o mercado brasileiro aos produtos importados. Diante desse panorama, o plano obteve êxito de reduzir, ao menos nos primeiros meses, a inflação para cerca de 10%.
Porém, isso foi conseguido a um alto preço. Ao deixar o país praticamente sem dinheiro, o confisco da poupança jogou a economia em uma grave recessão. O PIB caiu 7,8% no segundo trimestre de 1990, fechando o ano com uma queda de mais de 4%.
A medida teve um efeito extremamente negativo sobre a população. Com a redução do poder de compra, as pessoas passaram a ter cada vez menos dinheiro para gastar em bens e serviços. Isso levou a uma diminuição do consumo e, consequentemente, a um aumento do desemprego.
A medida levou a uma diminuição da confiança do público na economia e, como resultado, a um aumento da incerteza e dos níveis de pânico. Sem dinheiro, os brasileiros mudaram seus hábitos de consumo e muitos empresários não tiveram como honrar seus compromissos.
A situação também gerou graves consequências até hoje não superadas por muitos. Era comum nos noticiários da época, noticias sobre pessoas com crises de pânico e depressão, levando muita gente ao suicídio
Quais aplicações foram “confiscadas”?
Engana-se quem acha que apenas as cadernetas de poupança que sofreram com as retenções. De fato, o governo chegou a retirar cerca de 80% do dinheiro aplicado, não só na poupança, mas também em contas correntes. Aplicações financeiras, como CDBs e fundos de renda fixa, também ficaram retidas no Banco Central por 18 meses.
A estimativa é de que o governo tenha confiscado o equivalente a US$100 bilhões. Isso significava 30% do Produto Interno Bruto (PIB) na época.
Vale lembrar que após o anúncio do confisco, foi decretado um feriado bancário de três dias. Quando os bancos retornaram às atividades, a população em peso queria sacar o máximo possível da caderneta de poupança. A consequência disso foi um forte problema de liquidez, já que os bancos não tinham dinheiro suficiente para atender a demanda de todos.
Seria possível isso acontecer atualmente?
O confisco da poupança foi uma medida injusta e extremamente prejudicial para a economia brasileira. Além de gerar grandes perdas para os investidores, também contribuiu para o aumento da inflação e do endividamento das famílias no médio prazo.
O sistema produtivo também foi fortemente impactado. Nesse sentido era possível observar na época paralisação na produção de muitas indústrias, demissões em massa, férias coletivas, redução na jornada de trabalho, atraso no pagamento de dívidas, entre outros.
Por conta dessa profunda desestruturação na economia, muitas pessoas hoje em dia ainda temem que uma situação como aquela possa se repetir.
No entanto, juridicamente falando, o confisco da poupança é impossível de ocorrer. Isto acontece porque em 2001 houve a aprovação da Emenda Constitucional 32. Ela proíbe o sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro dos brasileiros.
A redação dessa Emenda foi inserida na constituição federal no art.62, § 1º, II. Sendo assim, de acordo com o Código Penal Brasileiro, só podem ser confiscados os bens utilizados para a prática de crimes ou produtos de atividades ilegais.
Além disso, ainda que o governo quisesse modificar a Emenda para confiscar os investimentos, ela precisaria passar pela aprovação do Congresso. O que daria tempo para as pessoas retirarem seus recursos das instituições financeiras.
Outro aspecto importante, é que qualquer político que viesse a tentar alguma medida parecida sofreria uma perda de capital político expressiva em um curto espaço de tempo. Culminando em um possível processo de impeachment.
Por último, vamos lembrar que o principal fator que motivou a elaboração da medida foi uma inflação descontrolada, na casa dos 80% ao mês. Coisa bastante fora dos padrões atuais, na casa dos 6% ao ano. Por estes motivos, seria extremamente improvável que qualquer governo tentasse com sucesso alguma medida deste tipo.
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