O ouro ainda brilha? A resposta está nos últimos 2.000 anos
Mesmo chamado de “relíquia do passado”, o ouro superou o S&P 500, atravessou impérios e crises — e continua sendo um dos ativos mais resilientes da história.
Edição #003
Ao longo dos últimos 25 anos, o ouro acumulou uma valorização de mais de 1.200% em dólar — e só nos últimos 10 anos, entregou o dobro da rentabilidade acima do S&P 500, o principal índice de ações da maior economia do mundo, mesmo em um período de recordes e exuberância nos mercados.
Esses números, por si só, já chamam atenção. Afinal, estamos falando de um ativo que não distribui dividendos, não gera fluxo de caixa e, até pouco tempo atrás, era frequentemente chamado de “relíquia do passado”. Mas talvez seja justamente o passado que explique por que o ouro segue sendo um dos ativos mais resilientes da história.
O papel do ouro como reserva de valor atravessa civilizações. Durante séculos, ele não foi apenas símbolo de riqueza, mas o próprio alicerce do sistema monetário. No Império Romano, por exemplo, o denário era originalmente cunhado em prata pura. Mas à medida que os imperadores buscavam expandir o império e financiar guerras, começaram a adulterar sua composição, misturando metais mais baratos. O resultado foi previsível: perda de confiança na moeda, aumento da inflação e desvalorização da base monetária.

Esse padrão — governantes emitindo “dinheiro novo” sem lastro — se repetiu, com variações, ao longo da história. Mesmo o dólar, símbolo moderno da estabilidade econômica global, passou por um ponto de inflexão em 1971, quando os Estados Unidos, sob o governo Nixon e em meio à Guerra Fria, abandonaram oficialmente o padrão-ouro. A partir desse momento, o valor das moedas deixou de estar ancorado em reservas metálicas e passou a depender exclusivamente da confiança nos seus emissores.
São as chamadas moedas fiduciárias — termo que vem do latim fiducia, que significa “ato de confiar”. Em outras palavras, o que sustenta o valor do dinheiro hoje é fé. Fé de que não haverá calote nas dívidas soberanas. Fé nas instituições políticas e econômicas que garantem a ordem. Fé de que a sociedade continuará aceitando um pedaço de papel — ou um número em uma tela — como meio legítimo de troca.
Durante muito tempo após esse rompimento, o ouro ficou relativamente esquecido nos portfólios institucionais. Sua cotação andou de lado por décadas. Mas a história nunca para — e os últimos anos trouxeram de volta a relevância do metal como proteção real.
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Desde a crise financeira de 2008 e, mais recentemente, com o choque da pandemia da COVID-19, o mundo assistiu a uma expansão sem precedentes das dívidas públicas. Políticas monetárias ultraexpansivas, emissão maciça de moeda, déficits fiscais persistentes e taxas de juros artificialmente baixas por tempo demais começaram a corroer, silenciosamente, a credibilidade de muitas moedas. O dólar segue sendo hegemônico, mas já não está sozinho — e nem inquestionado.
Esse contexto fez o ouro ressurgir como proteção contra a perda do poder de compra, a deterioração fiscal global e os riscos geopolíticos. Mais do que isso: voltou a ser utilizado por bancos centrais como instrumento de diversificação de reservas, em um movimento silencioso, porém significativo. De 2010 para cá, mais de 40 países aumentaram sua posição em ouro — incluindo China, Índia, Rússia e Turquia.
Ao mesmo tempo, surgiram novos ativos com proposta semelhante. O Bitcoin, por exemplo, tem várias das características que tradicionalmente se associam ao ouro: escassez, resistência à censura, proteção contra inflação e independência de governos. No entanto, sua história ainda é curta demais para que possa ser considerado, hoje, um substituto institucional. O ouro, com mais de dois milênios de lastro histórico, ainda ocupa um lugar que nenhuma outra tecnologia conseguiu desafiar de forma definitiva.
O que o investidor consciente precisa entender é que o ouro não é uma aposta. Ele é uma estrutura. Um componente estratégico de portfólios que buscam resiliência. E sua força não está na euforia — mas na capacidade de preservar valor nos momentos em que tudo o mais parece ruir.
Num mundo onde os fundamentos fiscais e monetários estão cada vez mais pressionados, ter uma pequena parte do patrimônio protegida em ativos que não dependem de governos, ciclos políticos ou modelos econômicos transitórios pode fazer mais diferença do que se imagina.
O ouro ainda brilha. E talvez continue brilhando enquanto o ser humano seguir repetindo a história.
Nos vemos na próxima edição.
— Paulo Cunha