Por Paulo Cunha 15 de outubro 2025
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Entre o medo e a euforia: o que a recente alta do VIX, a correção do Bitcoin e a mudança de humor das techs revelam sobre o mercado.

Edição #008

Nas últimas semanas, o humor dos mercados começou a mudar. Depois de meses de alta quase ininterrupta, com investidores confiantes na força da inteligência artificial e na capacidade das grandes empresas americanas de sustentar lucros crescentes, surgiram as primeiras rachaduras nessa narrativa. A tensão mais visível veio na sexta-feira, 10 de outubro, quando o índice de volatilidade VIX — conhecido como “termômetro do medo” — saltou de 16 para 20 pontos. Ainda longe dos picos históricos vistos em crises mais severas, como em 2020 ou 2008, mas suficiente para lembrar que o risco nunca desaparece, apenas se esconde quando a euforia é grande demais.

O movimento coincidiu com uma queda expressiva de mais de 3% no Nasdaq — a maior desde abril — e uma correção significativa no Bitcoin, que voltou a se comportar como um ativo de risco altamente correlacionado com o mercado de tecnologia. A tese do “ativo anti-sistema”, tão repetida nos últimos anos, parece cada vez mais frágil quando o estresse volta ao centro do palco. Quando o mercado aperta, o que é especulativo cai junto — e o Bitcoin, neste momento, está mais próximo da dinâmica das ações da Nasdaq do que do ouro ou de qualquer porto seguro.

Por trás dessa mudança de humor há mais do que números. Há uma sensação crescente de que o ciclo de otimismo em torno da inteligência artificial pode ter ido longe demais. Matérias recentes — como a publicada pela InfoMoney citando economistas e até prêmios Nobel — apontam que a combinação entre tarifas comerciais, aumento de custos de capital e valuations elevados no setor de tecnologia pode reduzir o ritmo da economia americana nos próximos trimestres. Não se trata de prever uma recessão iminente, mas de reconhecer que, depois de um período prolongado de liquidez abundante e lucros recordes, as expectativas estão esticadas demais.

Parte do desconforto também vem de um fenômeno novo, mas com cheiro de velho: a alavancagem disfarçada em algumas empresas de tecnologia e suas satélites. Casos como o da MicroStrategy chamam atenção — companhias que emitem dívida e novas ações para comprar Bitcoin e inflar seus balanços com o mesmo ativo que especulam. O ganho vem da continuação da alta, não de resultado operacional. Esse tipo de comportamento sempre parece genial durante a bonança, mas costuma ser o combustível da correção quando o vento muda.

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Enquanto isso, os ativos historicamente vistos como reserva de valor seguem cumprindo seu papel, ainda que em estágios distintos do ciclo. O ouro, que já vem de um rali expressivo, continua sendo uma âncora em tempos de incerteza — mas é o dólar que, mesmo em meio a um período de enfraquecimento global, merece atenção redobrada. Isso porque o dólar costuma cair devagar e subir rápido: ele se desvaloriza em tempos de bonança, mas dispara justamente quando o mercado entra em modo de defesa. E é aí que mora sua verdadeira função — não como ativo de ganho constante, mas como proteção diante do imprevisível.

Ainda assim, poucos investidores aproveitam essa dinâmica. Mesmo com a facilidade atual para acessar o mercado internacional, apenas uma pequena parcela dos brasileiros mantém qualquer tipo de posição dolarizada. É um contrassenso: buscamos segurança em CDBs e fundos locais, mas ignoramos o ativo que o mundo inteiro recorre quando o risco volta à mesa.

Diversificar, portanto, não é um gesto de pessimismo — é um ato de maturidade. Uma carteira equilibrada precisa combinar ações brasileiras sólidas e pagadoras de dividendos, renda fixa atrelada ao IPCA, e uma parcela internacional dolarizada, que inclua, se possível, uma pequena exposição a ouro. É assim que se constrói uma estratégia que sobrevive a diferentes fases do ciclo econômico, sem depender de previsões perfeitas ou apostas isoladas.

No fim das contas, investir é um exercício permanente de humildade: aceitar que o futuro é incerto, mas que a preparação pode transformar o improvável em oportunidade. O investidor consciente é aquele que espera pelo melhor — e se prepara para o pior.

Nos vemos na próxima edição.

— Paulo Cunha