O curioso caso Netflix: quando até fugir do risco Brasil vira… risco Brasil
Quando até investir em Nova York é afetado por Brasília: o caso Netflix mostra como o “risco Brasil” pode atravessar fronteiras e impactar até as maiores empresas do mundo
Edição #009
Quem, ao abrir uma conta internacional para investir em empresas americanas, imaginaria ver uma ação despencar por causa de uma decisão tributária… brasileira? Pois foi exatamente isso que aconteceu com a Netflix, cujos papéis caíram mais de 7% em Nova York depois que a empresa reportou queda no lucro — impactada por um risco tributário de aumento de impostos no Brasil.
O episódio é, no mínimo, curioso: um investidor que buscava “fugir do risco Brasil” acabou exposto a ele de um jeito totalmente inesperado. E, no fundo, talvez esse seja o retrato mais fiel do mercado atual — um ambiente onde o imponderável deixou de ser exceção e passou a ser regra. Evidenciando o quanto as economias hoje em dia estão interligadas, principalmente quando falamos de grandes empresas, de Netflix a Vale.

A ironia é que o Brasil, visto tantas vezes como periférico na geopolítica econômica, tornou-se um mercado relevante para as gigantes globais de tecnologia. Meta, Netflix, Amazon e outras companhias americanas têm aqui uma fatia considerável de receita e base de usuários. Quando o país muda regras fiscais ou cria novas estruturas de arrecadação, o reflexo não fica restrito ao investidor local — ele atravessa fronteiras, balança balanços corporativos e derruba ações em Wall Street. Quem imaginaria?
Esse caso ilustra bem o tipo de risco que não aparece em planilhas. É o risco invisível — o imponderável. O mesmo tipo de força que pode transformar um evento aparentemente doméstico em um choque global. E ele vem se somar a um cenário macro que, embora pareça mais calmo na superfície, continua cheio de tensões subterrâneas.
Nos Estados Unidos, o Federal Reserve retomou o corte de juros, levando a taxa básica para a faixa de 4,00% a 4,25%. A decisão reflete uma economia que desacelera sem fraquejar — o mercado de trabalho perde fôlego, mas o PIB ainda cresce acima de 3%. O Fed caminha sobre uma corda bamba: precisa aliviar antes que a confiança se quebre, sem parecer complacente com a inflação.
No Brasil, o quadro é outro, mas o dilema é parecido. A Selic foi mantida em 15%, e o diferencial de juros com os EUA atingiu o maior nível desde 2022, favorecendo o real e o fluxo de capital estrangeiro. O mercado local reagiu bem: a Bolsa renovou máximas nominais e os títulos prefixados começaram a ganhar espaço. Mas o fôlego fiscal segue curto, e a reforma tributária sobre investimentos acende um alerta legítimo — não apenas pelo impacto direto sobre produtos financeiros, mas pelo simbolismo: o governo continua priorizando a arrecadação sobre o ajuste de Gastos e diminuição da carga tributária que afetou inclusive… a Netflix!
O relatório de alocação da XP deste mês reflete esse equilíbrio instável. Mantém renda fixa pós-fixada como pilar, aumenta levemente a exposição a prefixados de olho em cortes futuros da Selic e preserva o papel defensivo dos títulos atrelados à inflação. Na renda variável, a orientação é de neutralidade — Brasil ainda oferece boas oportunidades, mas depende do humor fiscal e político. Lá fora, a recomendação é seletividade: os múltiplos seguem esticados, e os riscos geopolíticos e fiscais crescem na mesma medida.
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Mas talvez a lição mais importante não esteja nas planilhas, e sim no que elas não conseguem prever. O caso da Netflix é um lembrete de que não existe blindagem perfeita — nem mesmo em dólar, nem mesmo em Nova York. O risco pode vir de onde menos se espera: uma reforma tributária, uma mudança regulatória, uma decisão política ou simplesmente o acaso.
É por isso que diversificar não é uma recomendação técnica — é um princípio de sobrevivência. Ter exposição global, mas também local; renda variável, mas também proteção real; ativos indexados à inflação, mas sem abandonar liquidez. O objetivo não é eliminar o risco — é aprender a conviver com ele.
O investidor consciente sabe que o mercado é, por definição, imprevisível. E que o verdadeiro erro não está em enfrentar o imponderável — mas em ignorar que ele sempre existirá.
Nos vemos na próxima edição.
— Paulo Cunha