O triunfo de Milei e o espelho que o Brasil ainda evita
Quando a Argentina vira a chave e o Brasil desvia o olhar
Edição #010
Na Argentina, o eleitorado deu um recado claro: o modelo de Estado-intervencionista, assistencialista e pesado, encarnado pelo peronismo, pode finalmente estar em xeque. A vitória de Javier Milei e de seu partido La Libertad Avanza nas eleições de meio de mandato trouxe uma reação exuberante dos mercados: a Bolsa argentina disparou, os títulos públicos subiram e o peso se valorizou de forma expressiva.
Milei se apresenta como uma versão radical de “menos Estado, menos impostos, mercado livre acima de tudo” — uma espécie de anarco-capitalista ideológico-econômico, se quisermos usar um termo provocativo. Ele propõe cortar gastos, flexibilizar leis trabalhistas, privatizar, abrir ainda mais o comércio e reduzir dramaticamente o tamanho do Estado. Para muitos argentinos, depois de décadas de intervencionismo, inflação crônica e moeda fraca, a guinada liberal parece não apenas necessária, mas inevitável.

O contraste com o Brasil
O paralelo é inevitável. Enquanto a Argentina vive uma guinada clara ao liberalismo econômico, o Brasil segue tateando entre o pragmatismo e o fisiologismo. De um lado, a direita brasileira se fragmentou — enfraquecida após o auge do bolsonarismo e dividida entre discursos morais e agendas econômicas difusas. De outro, o governo atual mantém o foco em políticas de arrecadação e expansão fiscal, com pouco espaço para reformas estruturais.
O resultado é um país que se acostumou à mediocridade: crescemos pouco, investimos mal e, ainda assim, celebramos cada alívio momentâneo como se fosse o início de um novo ciclo. Mas há lições valiosas a extrair da Argentina. A primeira é que o eleitorado, cedo ou tarde, se cansa da promessa fácil. A segunda é que mudanças estruturais, quando acontecem, destravam valor rapidamente. Foi assim na Argentina — e pode ser assim aqui, se houver convergência em torno de uma agenda racional voltada à produtividade e à eficiência do Estado.
O que isso diz para o Brasil
Eleições e estilos de direita têm muitas faces. Um país pode eleger uma direita focada em costumes, identidade ou “lei e ordem”, como no Japão ou em parte do Brasil. Mas a Argentina de Milei mostra uma direita essencialmente econômica: cortes de impostos, liberalização e choque de austeridade. No Brasil, o discurso liberal muitas vezes se mistura com o populismo fiscal — e há exemplos claros de partidos de direita que apoiaram aumento do fundo partidário, do orçamento secreto ou medidas assistencialistas.
2026: um ciclo ainda em formação. A eleição de 2026 promete ser uma das mais binárias da história brasileira. Se uma guinada semelhante à argentina ganhar corpo — com foco em reforma econômica e não apenas retórica moral — poderemos assistir a um novo ciclo de valorização dos ativos locais. Caso contrário, corremos o risco de continuar presos à mediocridade estrutural: momentos de euforia breve seguidos de longos períodos de estagnação.
Para o investidor, isso se traduz em decisões práticas. Não há garantia de que o Brasil seguirá o caminho argentino — nem que fará o oposto. Mas, diante do cenário, ficar completamente de fora pode ser o maior erro. Os ativos brasileiros seguem relativamente baratos em comparação com os pares internacionais. Se houver qualquer sinal de agenda mais racional, o mercado tende a reagir antes das urnas.
O mundo também dá sinais de fadiga
Enquanto a América Latina ensaia suas viradas, o mundo desenvolvido vive um paradoxo curioso. As ações de tecnologia e inteligência artificial seguem em alta quase ininterrupta, alimentadas por resultados robustos, expectativas grandiosas e uma liquidez global que ainda não secou. Mas a euforia começa a lembrar os estágios finais de ciclos que já conhecemos: preços descolados dos lucros, narrativas dominando fundamentos e uma confiança que beira a crença. Ainda não há um gatilho claro de crise — mas o comportamento já tem características de bolha.
Leia também: O curioso caso Netflix: quando até fugir do risco Brasil vira… risco Brasil
Ao mesmo tempo, o dólar dá sinais de fraqueza global. Esse movimento tende a se intensificar com o Federal Reserve aprofundando o ciclo de cortes — incluindo o esperado -0,25 p.p. na reunião de hoje. Esse ambiente, somado à concentração excessiva nos ativos americanos, pode levar investidores globais a buscar oportunidades fora dos EUA.
E aí surge a ironia: enquanto muitos olham com ceticismo para emergentes, são justamente eles que podem se beneficiar dessa rotação. Brasil, México, Índia e Indonésia entram no radar como alternativas em um mundo saturado de tecnologia cara e dólar enfraquecido.
O que isso significa para o investidor
Em tempos de euforia seletiva e mudanças estruturais, o erro é acreditar que o jogo acabou. O mercado tem uma capacidade quase cômica de inverter papéis: os últimos de ontem podem ser os primeiros de amanhã.
O investidor consciente entende que o futuro não se constrói sobre previsões, mas sobre preparação.
Nos vemos na próxima edição.
— Paulo Cunha