Por Paulo Cunha 01 de outubro 2025
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Da febre das ferrovias à ascensão da inteligência artificial, a história mostra que toda revolução tecnológica traz oportunidades transformadoras, mas também riscos de euforia exagerada

Edição #006

Nas últimas semanas, as bolsas globais, especialmente a Nasdaq, voltaram a atrair atenção com patamares de negociação que chamam a atenção até dos mais experientes. A inteligência artificial tem sido tratada como o motor da nova revolução tecnológica, e os resultados apresentados pelas grandes empresas do setor de fato impressionam. As chamadas “sete magníficas” reportam lucros robustos, margens crescentes e geração de caixa consistente, ao ponto de, juntas, já valerem o equivalente ao PIB da China. Mas diante de números tão grandiosos, a pergunta que inevitavelmente surge é se esse ritmo de crescimento é sustentável ou se estamos vivendo mais um capítulo clássico de euforia que o mercado conhece bem.

As ‘Sete Magníficas’: gigantes da tecnologia que ditam o ritmo do mercado global.

A história dos mercados mostra que os ciclos de inovação sempre passam por fases de otimismo exagerado. No século XIX, o caso das ferrovias nos Estados Unidos e no Reino Unido é emblemático. O setor foi visto como a chave para o desenvolvimento econômico e recebeu volumes enormes de capital.

De fato, tornou-se infraestrutura essencial para o crescimento, integrando regiões e reduzindo custos de transporte. Mas no auge da “Railway Mania”, a especulação inflou avaliações de empresas que muitas vezes sequer saíam do papel, e a correção veio de forma dolorosa. Ainda assim, o setor prosperou no longo prazo e cumpriu um papel fundamental na transformação das economias.

Nos anos 1990, a internet se tornou o grande símbolo da “nova economia”. Entre 1995 e o pico de março de 2000, o índice Nasdaq multiplicou por cinco, impulsionado pela crença de que qualquer empresa ligada ao setor estava destinada ao sucesso. Muitas sequer tinham receita, outras não apresentavam lucro, mas foram negociadas a múltiplos astronômicos. O estouro da bolha — que depois ficou conhecida como a “bolha das ponto.com” — levou a uma queda de cerca de 76% até 2002, arrastando consigo desde startups frágeis até grandes empresas de telecomunicações como WorldCom e Global Crossing.

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Apesar das perdas, dessa mesma crise emergiram gigantes como Amazon e Google, que transformaram promessa em execução e redefiniram a economia digital.

Hoje, vemos paralelos claros. O Shiller P/E, índice que mede os múltiplos da bolsa americana ajustados por lucros cíclicos, voltou a ultrapassar 40 vezes, um patamar comparável ao do estouro da bolha das empresas de internet. O valor de mercado das maiores empresas de tecnologia já é comparável ao PIB da segunda maior economia do mundo. E a concentração é tamanha que as gigantes de tecnologia representam sozinhas cerca de 10% de todo o mercado acionário americano.

Não se trata de empresas sem resultado, como no início dos anos 2000. Pelo contrário: são organizações altamente lucrativas, com modelos de negócio sólidos, barreiras de entrada enormes e ecossistemas praticamente impossíveis de replicar. A diferença é que o mercado já embute nos preços a expectativa de que esse crescimento quase infinito vai continuar sem sobressaltos.

A lição que a história deixa é clara. Setores transformadores sempre prevaleceram no longo prazo. As ferrovias moldaram os Estados Unidos, a internet redefiniu a forma como vivemos e nos conectamos, e a inteligência artificial muito provavelmente será um dos pilares centrais do século XXI. Mas a euforia inicial quase sempre cobra seu preço.

O investidor consciente precisa reconhecer o potencial transformador, mas sem confundir inevitabilidade tecnológica com infinitude de retornos financeiros. A nova tecnologia deve durar por muito tempo, mas a euforia dos mercados tem prazo de validade.

Nos vemos na próxima edição.

— Paulo Cunha